Muitas e discrepantes têm sido as
reações à eleição do Cardeal Jorge Mario Bergoglio ao Sólio Pontifício.
Criou-se, desde o primeiro instante, um papa
virtual ao lado do Papa real – para usar uma expressão de Bento XVI,
forjada originalmente em relação ao Concílio Vaticano II.
Também eu tenho algo a dizer sobre o
Papa Francisco e, sinceramente, espero não estar a produzir mais uma falsa
imagem do Sumo Pontífice. Ademais, devo acrescentar que minha visão está
necessariamente condicionada pela fé e informada pela razão. É, portanto, o
modo como um católico, sobretudo, vê o novo Papa.
A verdade é que eu temia não nutrir o
mesmo afeto que tenho por Bento XVI pelo novo papa, fosse quem fosse. Os que me
conhecem sabem da minha profunda devoção a Bento XVI. Por ele tenho um amor de
filho a um pai espiritual. Não se trata de pura obediência ou reverência
devidas a todo e qualquer papa, mas de profunda gratidão por ter me ajudado a
progredir na fé de um modo que não saberia traduzir em palavras. Por mais que
três quadras da minha existência tenham transcorrido sob João Paulo II, é Bento
XVI o papa da minha vida!
Como imaginar que qualquer cardeal
pudesse estar à altura do “meu” papa?
Destas sensações tão humanas – não
obstante suas conotações espirituais – eu sabia que devia passar a uma atitude
de fé católica – da pessoa à função, de Bento XVI a Pedro. Um católico não está
ligado a este ou àquele papa, mas a Cristo e a seu Vigário. Como bom aluno
salesiano, eu devia ir de “Viva Bento XVI!” a “Viva o Papa!”.
Duvido que haja algum leitor habitual do
blog que duvide da surpresa e perplexidade com que recebi o anúncio da eleição
do cardeal argentino. Eu esperava, como tantos, um cardeal mais jovem. Eu não
esperava um cardeal que fora apontado, com ou sem razão, como o anti-Ratzinger
no conclave de 2005.
Ocorre que muito pouco eu conhecia do
Cardeal Bergoglio. As escassas referências eram um tanto negativas. Nada grave,
é verdade, que o tornasse indigno da Cátedra de Pedro, mas suficientemente
fortes para que eu o considerasse menos apto a prosseguir com a obra de
restauração de Bento XVI.
Então esperei alguns dias para escrever
este texto. Se o faço somente agora é porque minha insatisfação inicial foi
radicalmente transformada em júbilo. Do contrário, este blog estaria fechado
para balanço, porque eu jamais faria juízo de valor negativo sobre o “doce
Cristo na terra”. Eu me calaria até a eleição de seu sucessor. Sobre uma ou
outra decisão pastoral sua talvez – não o fiz a respeito de Bento XVI? –, sobre
seu pontificado definitivamente não!
A razão da espera é que eu gostaria que
as palavras brotassem do funda da alma e com a convicção que costumo ter, mesmo
quando me equivoco. Não palavras protocolares e hipócritas que escondessem um
pensar e um sentir opostos.
Considero o Papa Francisco como sendo o
papa da Providência Divina, embora não me seja dado perscrutar seus insondáveis
desígnios. Percebam que não se trata de mera conformação, como se dissesse: “bem,
se é o papa que temos, aceitemos o papa”. Estou a dizer que tinha de ser ele o papa!
Por que cheguei a tal conclusão não é
fácil dizer. Creio que a graça de Deus me antecedeu e me acompanhou neste
processo ao longo dos últimos dias e, num dado momento, percebi uma verdadeira
alegria com o novo Papa.
Mas alguns elementos certamente contribuíram
para este meu ato de fé e, como tal, razoável; não me deixo convencer por
fáceis consensos, lugares-comuns e emocionalismos baratos. Nem estou a afirmar
que o Sumo Pontífice seja perfeito e que satisfará em tudo às nossas
expectativas. Mas, novamente citando Bento XVI, estou convencido que Deus sabe
trabalhar com instrumentos limitados.
O Papa Francisco é um homem de fé. Seus
primeiros atos e palavras já deram mostras de ser ele profundamente espiritual.
Seu incipiente magistério, e soma-se aqui o anterior como Arcebispo de Buenos
Aires, centra-se na pessoa de Cristo, na ação do seu Espírito, na compreensão do
que seja sua obra, a Igreja. Mesmo que não esteja entre os grandes teólogos de
nosso tempo – o que definitivamente não é defeito – tem traduzido em linguagem
simples e direta as verdades basilares do cristianismo. Que se conformem
aqueles que esperam – por absurdo – que o Papa Francisco ensine uma doutrina
nova, sua ou destes lobbies anticatólicos acastelados no corpo eclesial.
Uma preocupação recorrente entre aqueles
que frequento se dá no campo da Sagrada Liturgia. Para nós, a Liturgia da
Igreja é mais que cerimônias e rituais. É canal de fé e salvação, é mistério
divino, diz respeito ao primeiro mandamento da Lei de Deus. Assim se compreende
quão sensíveis somos a qualquer variação no trabalho de restauração iniciado
por Bento XVI.
Mas o que temos visto? Um papa piedoso,
sóbrio e, o mais importante, que se diminui para que Cristo cresça. Eu receava
muito a eleição de alguém que, no afã de se fazer acessível, atraísse para si a
atenção dos fiéis no culto divino. Eu temia um “pop star” da Missa, à
semelhança do que tão bem conhecemos no Brasil.
Senti, sem dúvida, algumas perdas em
relação a Bento XVI, sobretudo no tocante à beleza dos variados símbolos
litúrgicos e para-litúrgicos. Mas convenhamos, o Papa Francisco preservou
intacto o essencial. Os graus, os estilos, as formas, os materiais são todos
elementos acidentais do culto e que se adéquam mais ou menos perfeitamente à
beleza divina que se quer comunicar ou à beleza humana que se quer oferecer. É
certo que não veremos as belas capas barrocas de nosso patrimônio litúrgico,
mas também não veremos as capas de “Halloween” envergadas em outros tempos.
Também sentirei a ausência da Missa “versus
Deum”, rara, mas praticada por Bento XVI e que fazia uma conexão com o passado
e apontava para o futuro da liturgia romana. Mas também isto podemos esperar.
O papa não usa múleos, mozeta; seu anel
não é de ouro, sua cruz é de ferro; nada de alvas rendadas; o papa não canta – e chi se ne frega! Ora, podemos suportar
isto. Acaso foi este o magistério litúrgico de Bento XVI? Tenho outras preocupações
neste campo.
Importa mesmo que o novo Papa mantenha a
disposição do motu proprio Summorum
Pontificum, porque aí está mais do que uma concessão aos tradicionalistas.
É uma compreensão de Tradição e autoridade, sem mencionar o efeito benéfico que
já produz e haverá de produzir nas futuras gerações de padres. Uma reviravolta neste
campo seria desastroso, não para a FSSPX, mas para a Igreja.
Importa mesmo que o novo Papa seja firme
no propósito de corrigir os abusos e exigir fidelidade ao Missal de Paulo VI.
Não veremos, creio, uma reforma da reforma no presente pontificado, mas é
possível progredir com os elementos que já temos. Alguém se surpreenderia se a
CNBB apresentasse, com toda pressa, uma tradução esculhambada do Missal Romano
com um atraso de 11 anos, julgando ser de fácil aprovação sob Francisco o que
não teria sido com Bento XVI? Não estou afirmando, senhores, estou apenas
considerando hipóteses.
Importa mesmo que o novo Papa nos dê uma
catequese permanente do Sacrifício Eucarístico através de seu modo de celebrar
a Santa Missa, o que até agora tem feito. Não peçamos mais de um jesuíta. Meu
velho diretor espiritual dizia jocosamente que “jesuíta” e “liturgia” são palavras
que não se conjugam bem. A “devotio moderna”, que tanto caracterizou a
Companhia de Jesus, põe o acento sobre outros aspectos, o que não a impediu de dar
grandes santos e místicos à Igreja.
Uma virtude humana do Papa assaz
importante e providencial é, no meu sentir, seu espírito de pobreza evangélica.
Não me refiro aos arreios litúrgicos, que tributo a uma questão de gosto e
estilo pessoal. Refiro-me ao desprezo pelo luxo e o supérfluo. Não nos
esqueçamos que o Papa viverá numa corte em que há santos e dandies. A estes últimos o Santo Padre dará o exemplo, tão
necessário em nosso tempo, em que os espertos filhos das trevas – como outrora Lutero
– sabem se utilizar das fraquezas humanas para ferir a Igreja. A Cúria
precisa ser reformada, é inegável, mas só alguém com autoridade moral provinda
do exemplo pode fazê-lo no sentido autêntico.
E a todos nós clérigos, sua simplicidade
no trato com todos nos recorda que o ministério sacerdotal não nos torna “príncipes”
à moda do mundo, na busca de poder, riqueza ou status social. Aquela imagem de “principezinho” que às vezes
transmitimos com nossas manias, exigências, tons de voz – tipicamente
autoritária e contrária à pobreza evangélica – precisa desaparecer do horizonte
de nossas paróquias e dioceses. O papa dá-nos o exemplo e seu exemplo certamente nos desestabilizará a muitos de nós.
Uma parcela essencial no seu magistério
será certamente o amor ao pobres e à criação. Nós permitimos que os inimigos da
humanidade sequestrassem e manipulassem a seus propósitos vis estes elementos
integrantes do patrimônio cristão. Quantas pessoas bem intencionadas seguiram
estas bandeiras, desprovidas de seu fundamento espiritual, por incompetência
nossa. Um papa que os proponha com novo vigor e com sua base espiritual poderá
encabeçar uma verdadeira “reconquista”. Quem deu dignidade ao homem, amou e
serviu os pobres e viu a bondade na criação mais que a Igreja de Cristo ao
longo dos últimos 2000 anos? Os que o negam são filhos do pai da mentira. Nada
de ideologia libertacionista ou ecologista, mas a doutrina cristã genuína que
nossos santos praticaram e praticam. Creio que o Papa porá isto sob nova luz – “para
que vendo vossas boas obras,
glorifiquem o Pai”(Mt 5,16).
E chegando aos finalmentes, imagino que
meu amor ao novo Papa cresça na medida em que passarem os encômios iniciais,
vindos de todos os lados e dos mais escabrosos, e chegarem finalmente as
perseguições. São elas que dão autenticidade ao ministério do Papa. Ele o
afirmou inequivocamente diante dos cardeais na Sistina:
Este
Evangelho continua com uma situação especial. O próprio Pedro que confessou
Jesus Cristo com estas palavras: Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo, diz-lhe:
Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso não vem a propósito. Sigo-Te com
outras possibilidades, sem a Cruz. Quando
caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem Cruz,
não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais,
papas, mas não discípulos do Senhor.
Eu
queria que, depois destes dias de graça, todos nós tivéssemos a coragem, sim a
coragem, de caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor; de edificar a
Igreja sobre o sangue do Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar como
nossa única glória Cristo Crucificado. E assim a Igreja vai para diante.
Viva o Papa!
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